Um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) analisou, pela primeira vez, as tendências de mortes por afogamento, em Portugal, entre os anos de 1992 e 2019, tendo por base os dados nacionais de mortalidade do Instituto Nacional de Estatística (INE) e as estimativas modeladas do “Global Burden of Disease” (GBD), um estudo internacional que faculta informações sobre as doenças com maior incidência a nível mundial.
Ao longo dos 27 anos estudados, registaram-se, em Portugal, 6.057 mortes por afogamento, tendo havido um elevado número de óbitos em pessoas com 65 ou mais anos. Os investigadores verificaram existir uma discrepância quanto à tendência de mortalidade entre os dados nacionais e os do GBD. Enquanto os dados do INE revelaram existir um aumento da taxa de mortalidade por afogamento, na última década, as estimativas do GBD apontaram para uma tendência decrescente no número de mortes.
Apesar de os dados do INE facultarem informação mais precisa do que os do GDB no que toca ao número de mortes por afogamento em Portugal, os autores do estudo entendem que a informação nacional sobre o tema deve ter mais detalhe e apelam, por isso, à criação de um Registo Nacional Integrado de Afogamento e Lesões Aquáticas que permita caracterizar o verdadeiro impacto do afogamento (fatal e não fatal) em Portugal.
O afogamento é a terceira principal causa de morte por lesão não intencional em todo o mundo, estimando-se que tenha causado mais de 236 mil mortes em 2019. Além disso, os afogamentos não fatais (que não resultam em morte) provocam frequentemente sequelas para toda a vida e estão associados a um elevado impacto social e económico.
Em Portugal, não existia, até à data, nenhum estudo que traçasse o panorama das mortes por afogamento no país. A investigação Trends in drowning mortality in Portugal from 1992 to 2019: comparing Global Burden of Disease and national data é a primeira a fazê-lo.
O artigo, publicado na revista Injury Prevention, pretendeu “caracterizar o afogamento fatal em Portugal, comparando os dados disponibilizados pelo INE com os do GBD, e avaliar em que medida as estimativas do GBD mimetizavam os dados reais do INE”, explica a primeira autora do estudo, Catarina Queiroga, investigadora do ISPUP e colaboradora do Laboratório associado para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional (ITR).
Concluiu-se que, entre 1992 e 2019, ocorreram 6.057 mortes por afogamento em Portugal. Globalmente, os homens foram os que mais faleceram por afogamento (69% das mortes) e registou-se um número considerável de mortes em pessoas com 65 ou mais anos de idade (38%).
No geral, a investigação constatou que as mortes por afogamento têm vindo a diminuir ao longo dos anos. No entanto, os dados do INE deram conta de um aumento da taxa de mortalidade por afogamento, na última década, contrariamente às estimativas do GBD que apontavam para uma tendência decrescente no número de mortes por esta causa.
“Este é um ponto interessante do nosso estudo. Confirmamos que os dados do INE nos dão informação mais precisa do que os do GBD. Através dos dados nacionais, conseguimos perceber que há uma tendência crescente no número de mortes por afogamento, nos últimos anos, em Portugal, ao passo que, se considerássemos apenas a informação do GBD, acharíamos que existia uma tendência de diminuição, e que tudo estava controlado”, afirma Queiroga.
A investigadora acrescenta que “as estimativas de mortalidade do GBD são valiosas, quando não existem dados recolhidos rotineiramente. Mas, como suavizam variações, as estimativas do GBD escondem oportunidades-chave de prevenção e dificultam a identificação dos grupos populacionais vulneráveis”.
Com os dados do INE foi possível identificar uma subida da mortalidade por afogamento, na última década, na faixa etária dos 20 aos 34 anos, sendo o aumento do número de mortes mais acentuado nas pessoas com 65 ou mais anos de idade. Estes são, por isso, os principais grupos prioritários numa estratégia de prevenção de afogamento.
Apesar de os dados do INE facultarem informação mais precisa do que os do GBD no que toca ao número de mortes por afogamento em Portugal, os autores do estudo entendem que a informação nacional sobre o tema deve ter mais detalhe.
“Os dados nacionais não têm o detalhe desejável para compreender o verdadeiro impacto do afogamento em Portugal, uma vez que apenas incluem mortes, ignorando o impacto humano, económico e as consequências para o sistema de saúde do afogamento não fatal”, explica Queiroga.
“Além disso, as variáveis que são tipicamente recolhidas no sistema de certificado de óbitos não incluem muitos dados imprescindíveis à caracterização detalhada do problema, nomeadamente, a atividade anterior ao incidente, o tipo de espaço aquático envolvido, o impacto do uso de álcool, ou de medicação e drogas, a presença de coletes salva-vidas, entre outras”, adianta.
Assim, os autores do estudo defendem a criação de um Registo Nacional Integrado de Afogamento e Lesões Aquáticas. Este registo não deve ser da responsabilidade exclusiva de uma organização, mas deve antes contar com a colaboração de vários organismos, nomeadamente das áreas marítima, defesa, capitanias, hospitais, etc.
“O registo que propomos criar deveria integrar dados de afogamento e lesões aquáticas, quer sejam fatais ou não, provenientes das várias entidades intervenientes no registo, e incluir incidentes de âmbito recreativo e ocupacional, e de qualquer tipologia de intenção (não intencional, intencional ou indeterminada)”, diz a investigadora do ISPUP.
A informação agregada seria útil para o desenvolvimento de um Plano Nacional de Segurança Aquática para Portugal e para intervenções de prevenção do afogamento mais direcionadas às populações em maior risco.
Esta intenção vai, aliás, ao encontro de um guia publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), no qual se encoraja todos os países a recolher dados e a estudar com detalhe o afogamento, para que seja possível desenvolver estratégias de prevenção baseadas em evidência e adequadas à realidade de cada país, algo que Portugal não possui.
No estudo, participaram também os investigadores Rui Seabra (CIBIO-InBIO e Biopolis), Richard Charles Franklin (College of Public Health, Medical and Veterinary Sciences, JCU, Australia) e Amy E Peden (School of Population Health, UNSW, Australia).
Imagem: Unspalsh/Tim Marshall